O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) está mobilizado em combater o trabalho análogo à escravidão de pessoas com deficiência no Brasil. O caso de Sônia Maria de Jesus, mulher negra e surda que foi resgatada após 40 anos de trabalho não remunerado, foi discutido nessa terça-feira (27) por representante do MDHC na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados.
Durante a audiência pública, a diretora dos Direitos da Pessoa com Deficiência da pasta, Naira Gaspar, falou sobre a interseção da deficiência questões étnicas, de gênero e de classe. “Precisamos eliminar os mecanismos de opressão que excluem todo um segmento da população. O marcador da deficiência, em intersecção com a raça, faz com que esse público seja mais excluído e muito mais suscetível a violações de direitos”, explicou.
A gestora destacou que o MDHC acompanha o caso de Sônia Maria desde o ano passado, quando veio a público a partir de uma denúncia anônima, e frisou que só em 2023 houve 3.400 denúncias de trabalho escravo no Brasil por meio da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos.
“Foi o maior registro desde que o Disque 100 passou a receber notificações desse tipo. Esse crescimento não se deve ao aumento da prática, mas à maior confiança de que as denúncias são levadas a sério e investigadas. O Disque 100, de fato, cumpre seu papel de registrar e apurar cada denúncia”, reforçou Naira Gaspar.
Em seguida, a diretora ressaltou que o MDHC está reformulando o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo com protocolos específicos para as populações mais vulnerabilizadas, em especial às pessoas com deficiência. “É nossa responsabilidade, enquanto governo federal e sociedade, eliminar o capacitismo, o racismo, a misoginia e garantir que o cuidado seja emancipatório e libertador”, afirmou.
Histórico
Ainda durante a audiência, Marta de Jesus, irmã biológica de Sônia Maria de Jesus, destacou que ela perdeu contato com a família aos nove anos e que, mesmo após ser resgatada, voltou para a casa da família em que ela foi encontrada em situação análoga ao trabalho escravo.
“Deveríamos ser a primeira opção de ressocialização para a Sônia, e não que ela voltasse ao local onde foi mantida em situação análoga à escravidão por tanto tempo. Quando a visitamos, queremos saber como ela está, mas ela não tem como nos informar, porque nunca aprendeu Libras e isso dói demais”, desabafou Marta.
Além da representante do ministério e de familiares de Sônia Maria, a audiência contou com a participação de Marcelo Zig, representante do Quilombo PCD; Valderez Monte, representante da Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos (FENATRAD); Milene Seidel, do Instituto de Pesquisa e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA); Izabel Maior, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e Elizabete Aparecida Pinto, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Campanha global
O caso também foi destaque na 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que ocorreu no mês passado em Brasília. Em paralelo, o MDHC integra a campanha internacional “Sônia Livre”, que visa garantir que a Justiça determine que Sônia Maria retorne à família biológica.
Atualmente, por decisão judicial, Sônia está na casa da família do desembargador Jorge Luiz de Borba, local em que foi resgatada no ano passado. Após a denúncia e repercussão do caso, o magistrado entrou com um pedido de paternidade socioafetiva. Agora, a campanha cobra que o Supremo Tribunal Federal (STF) acelere o julgamento de um habeas corpus (HC) para que Sônia retome o processo de ressocialização e reconexão com a família biológica.
Texto: T.A./M.C.M
Edição: R.D.