Um grupo de pessoas, usando capacetes e coletes amarelos, está trabalhando em uma construção, removendo ou instalando telhas em uma estrutura de madeira. Há uma pilha de telhas e um carrinho de mão no chão, e as paredes ao redor estão desgastadas. O céu está parcialmente nublado.
“ReforAmar” venceu o Prêmio Cidadania na Periferia e promove acessibilidade e participação social de pessoas com deficiência em periferias brasileiras | Foto: ReforAmar/Divulgação

Uma reforma na casa da engenheira nordestina, Fernanda Silmara – quando ainda criança –, foi semente para a criação de um dos projetos vencedores do Prêmio Cidadania na Periferia, promovido pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) em 2024.

O “ReforAmar” nasceu da vontade de Fernanda de transformar realidades através de remodelações em casas de bairros periféricos de sua cidade, assim como a dela se transformou depois de uma reforma que seu tio fez em sua própria casa, que antes era de taipa e cheia de goteiras. “Certo dia, eu chamei uma amiguinha e ela falou que minha casa fedia, e isso realmente me traumatizou. Quando chovia aqui, no calor de Natal, eu não gostava da chuva porque eu tinha medo que o telhado caísse”, relembra.

Depois da reforma, em um lar confortável, ela teve a estrutura que precisava para se dedicar aos estudos e fazer a diferença na vida de outras pessoas. “Cheguei um dia em casa e ela estava com piso cerâmico com o telhado novinho, então foi um momento que mudou toda a minha vida. Eu me senti confortável em casa, e quando vivi aquele sentimento, quis multiplicar”, conta ela.

Da vontade à execução

A profissão escolhida por Fernanda não é coincidência: primeira da família a concluir o Ensino Superior, seu desejo de cursar Engenharia Civil partiu do despertar que ela mesma teve ao receber um lar digno e sentir na pele a realização que uma moradia digna e aconchegante pode despertar. Assim, além da vontade de ajudar, ela também obteve formação técnica para transformar mais lares e realidades.

O Prêmio Cidadania na Periferia foi a primeira gratificação nacional que o “ReforAmar” recebeu, o que levou grande visibilidade para a missão do projeto. Com a premiação na categoria criada para reconhecer iniciativas que ampliem a acessibilidade e a participação social de pessoas com deficiência em periferias brasileiras, a ONG pôde ampliar o número de pessoas beneficiadas pelas reformas gratuitas.

Para Anna Karla Pereira, Chefe da Assessoria Especial de Participação Social e Diversidade (ASPAD), o projeto atende a diversas pautas defendidas pelo MDHC, considerando o processo de participação e de impacto social e, por isso, foi um dos vencedores. “Quando essa organização passou pelo critério de seleção, foi analisada, dentre muitas coisas, a capacidade de inovação social e a democratização da construção civil, que é algo extremamente importante em uma sociedade desigual, como é a nossa”, contextualiza.

Autonomia dentro de casa

Visando promover acessibilidade, a engenheira, junto às mais de 150 pessoas voluntárias do projeto, prioriza reformar lares de pessoas com deficiência, com mobilidade reduzida, ou de pessoas idosas. Foi o caso da beneficiada Laura Silva e sua filha, Itiele Ágata, que é uma criança com paralisia cerebral.

A casa onde moravam não oferecia independência para Itiele, prejudicando seu desenvolvimento locomotivo e, sem dinheiro para promover as mudanças necessárias no espaço, Laura conta que sua filha chegava a andar arrastada pelos cômodos. A situação mudou quando o “ReforAmar” tomou conhecimento da história da família e, com algumas parcerias estabelecidas, conseguiu entregar um lar com as condições adequadas.

“Hoje, Itiele tem independência. Essa é a palavra. Hoje, a minha pequena é muito independente, ela anda essa casa toda, vai ao banheiro sozinha, bebe a sua água, vai até a mesa”, conta a mãe.

O projeto na casa de Laura foi feito para garantir espaço suficiente para o deslocamento da criança com o seu andador de forma autônoma. “Não temos só um lar aconchegante, temos um lar com acessibilidade. O ‘ReforAmar’ teve a empatia de olhar para a Itiele com olhos de amor e carinho, e criar um projeto em que ela pudesse ter o direito à locomoção dentro de casa”, afirma Laura.

Transformação de vidas

A próxima pessoa a ser contemplada pelo projeto “ReforAmar” é Renata Oliveira, que já está animada e muito grata pela transformação que está por vir. Para ela, a reforma, além de mudar sua vida, é a realização de um sonho de infância. “Meu sonho desde criança é construir a minha casa de tijolo. Aqui é de taipa, eu tenho medo das chuvas”, conta.

Ao tomar conhecimento da situação, a principal preocupação de Fernanda Silmara foi a mãe da beneficiada, que é uma pessoa idosa. De acordo com Renata, ainda que se adapte às necessidades da mãe, a reforma vai amparar toda a família. “Vai ficar seguro para todo mundo, não só para a minha mãe. Eu tenho um filho pequeno de seis anos, e a casa, do jeito que está, é muito perigosa porque está cedendo”, explica.

Direito à mobilidade

Para a Secretária Nacional do Direito da Pessoa com Deficiência (SNDPD), Anna Paula Feminella, é fundamental mapear e construir a identificação dessas organizações da sociedade civil que têm iniciativas inovadoras e que fazem, na prática, o que toda a política pública devia ser – acessível e inclusiva –, ao garantir a plena participação das pessoas com deficiência em todos os espaços públicos e privados.

“O MDHC é um parceiro importante da sociedade civil que une esforços para prover os direitos humanos das pessoas com deficiência. É um grupo social que muitas vezes, pela falta de acessibilidade, fica restrito no seu próprio espaço doméstico, nas suas cidades, e o direito de ir e vir muitas vezes é violado”, relata. Para ela, é muito importante, a partir do Prêmio Cidadania na Periferia, reconhecer iniciativas locais de quem sabe o que precisam as pessoas com deficiência e construir soluções para os problemas identificados.

A chefe da ASPAD reforça a possibilidade de fortalecer entidades que trabalham com a temática de moradia e unem isso à realidade do país através de projetos como esse, pensando nas pessoas que estão em situações mais vulneráveis. “Entendendo o contexto em que o ‘ReforAmar’ se insere, atendendo pessoas com deficiência que, em algum momento da vida, precisa de ações como essa, o projeto mostra que a sociedade brasileira tem produção intelectual de dar muito orgulho para nós enquanto Estado”, afirma.

Ainda de acordo com Anna Karla, também cabe ao Estado fortalecer, incentivar, e construir políticas públicas que atendam aos anseios da sociedade e “ver isso acontecer em parceria com a sociedade civil é, de fato, muito transformador dentro do serviço público e como experiência para o nosso país”, finaliza.

Texto: R.M.
Edição: F.T.