A imagem mostra um homem de terno azul interagindo com uma pessoa idosa em uma cadeira de rodas. Atrás da pessoa idosa, há uma mulher com vestido floral, e ao lado, uma mulher de blusa branca e saia vermelha. Ao fundo, há um painel com as palavras "POLÍTICAS" e "AS". 
Além de estabelecer os parâmetros gerais para a concessão da pensão especial vitalícia, decreto prevê que o MDHC publique uma portaria com procedimentos para requerimento do benefício. Foto: Divulgação

O governo federal publicou, nessa segunda-feira (16), decreto que estabelece as normas para concessão de pensão especial aos filhos e filhas das pessoas atingidas pela hanseníase que foram compulsoriamente submetidas à internação em hospitais colônia ou ao isolamento domiciliar ou em seringais até 31 de dezembro de 1986.

Além de estabelecer os parâmetros gerais para a concessão do benefício, o decreto autoriza o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) a publicar uma portaria complementar, que apresentará os procedimentos e o formulário para requisição da pensão especial.

Marco histórico

O processo de reparação histórica das vítimas da hanseníase e seus descendentes, de acordo com a secretária Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência do MDHC, Anna Paula Feminella, representa um marco na história dos direitos humanos do país. “A separação compulsória entre pais e filhos é uma das feridas mais profundas da história brasileira”, afirma. “Ao incluir os filhos das pessoas que foram isoladas compulsoriamente no processo de reparação, o governo brasileiro reforça a importância de políticas públicas baseadas na justiça social e no respeito à dignidade humana”, acrescenta.

Conforme estabelecido no decreto, os requerimentos de pensão especial continuarão sendo analisados pela Comissão Interministerial de Avaliação Reparação, coordenada pelo MDHC. O colegiado é formado por representantes dos ministérios da Saúde; Previdência Social; e Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, além do próprio MDHC.

Mais de 30 preventórios e educandários foram organizados em todo o país para receber os filhos de pessoas diagnosticadas com hanseníase. “As crianças cresciam em abrigos, sem laços familiares e muitas foram entregues para adoção forçada”, ressalta o secretário-executivo da Comissão Interministerial de Avaliação, Andrei Suarez Dillon Soares. “Registros do MDHC apontam que cerca de uma em cinco das crianças separadas dos pais morreram dentro dos educandários”.

Após a análise documental, a Comissão emitirá parecer prévio para subsidiar a ministra Macaé Evaristo sobre o deferimento das pensões especiais. Em seguida, os processos administrativos serão encaminhados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O pagamento da pensão será mensal, vitalício e de caráter pessoal – não podendo ser transferido para dependentes ou herdeiros.

Produção de memória

Além de avaliar a elegibilidade dos requerentes da pensão especial, solicitar provas documentais, testemunhais ou periciais, a Comissão Interministerial de Avaliação será responsável por acompanhar medidas de preservação da memória documental, oral, física e arquitetônica sobre a internação e o isolamento compulsórios de pessoas com hanseníase.

“A produção de memória coletiva e o desenvolvimento de ações para enfrentamento das diversas formas de discriminação são fundamentais para inspirar a não repetição de práticas de segregação e outras violações de direitos”, acrescenta a secretária nacional Anna Paula Feminella.

Histórico

Por décadas, pessoas diagnosticadas com hanseníase no Brasil foram submetidas ao isolamento compulsório em hospitais-colônias, uma política de segregação que vigorou até a década de 1980. Os filhos e filhas, por sua vez, eram encaminhados para educandários e adoções formais e informais – tendo seus laços familiares rompidos à força.

A prática, que foi respaldada pelo Estado brasileiro entre os anos 1930 e 1980, era sustentada por preconceito estrutural e desinformação a respeito do contágio da doença causada pela bactéria Mycobacterium leprae, que atinge principalmente a pele, as mucosas e os nervos periféricos.

Em novembro do ano passado, durante a sanção da lei que instituiu o pagamento de pensão para os filhos de pessoas que foram isoladas em colônias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lembrou que o Estado falhou com essas famílias e que é preciso fortalecer as políticas públicas para reparar os danos sociais que a segregação causou.

“Nenhum dinheiro no mundo é capaz de compensar ou apagar as marcas que a segregação provocou na alma e no coração das pessoas com hanseníase e suas famílias. Mas estender aos filhos o direito à pensão especial é dar mais um passo importante para a reparação de uma dívida enorme que o Brasil tem com aqueles que, durante anos, foram privados dos cuidados e carinho de seus pais”, disse.

Análise documental

Para a concessão da pensão especial, a Comissão Interministerial de Avaliação analisará a existência de documentos que comprovem a internação em hospitais-colônia, o diagnóstico de hanseníase até 1986 e o isolamento domiciliar ou em seringais.

Serão avaliados, também, documentos que comprovem a adoção formal ou informal dos filhos e filhas das pessoas internadas compulsoriamente e a residência em educandário, creche, preventório, colônia ou em outra tipo de instituição, bem como a separação forçada entre as crianças e seus pais ou mães.

Sociedade civil

Artur Custódio, representante do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), explica que a regulamentação era muito aguardada pelas pessoas que foram vítimas do processo de internação compulsória. “Com essa medida, a lei vai se tornar um direito absoluto e beneficiar todos os filhos que sofreram o crime de separação de seus pais. Neste sentido, o decreto representa um ato de justiça”, defende.

Nesta quarta-feira (18/12), a partir das 19 horas, representantes do movimento vão detalhar os parâmetros para requisição das pensões em live transmitida no canal @tvmorhan, no YouTube.

Texto: T.A.
Edição: F.T.