O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) participou, na terça-feira (6), de uma audiência pública na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados, para discutir a proposta de criação do Código Brasileiro de Inclusão (CBI). O encontro reuniu especialistas e representantes da sociedade civil, que manifestaram preocupações sobre a nova proposta legislativa e seus possíveis impactos sobre os direitos das pessoas com deficiência. Em um movimento coletivo, ativistas se posicionaram contra o projeto, defendendo seu arquivamento e ressaltando que o Brasil já dispõe de um conjunto legal robusto, cujas normas ainda necessitam ser efetivamente implementadas, como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI).
Durante a audiência, a secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Anna Paula Feminella, destacou que o foco do país não deve ser a construção de uma nova legislação, mas, sim, o cumprimento da LBI (Lei 13.146/2015). “A elaboração dessa legislação teve início no ano 2000, mas seu andamento foi interrompido temporariamente para que pudesse ser atualizado de acordo com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Foram 15 anos de construção coletiva, marcados por intensas mobilizações sociais, articulações políticas e a contribuição de muitas pessoas do Brasil inteiro — algumas das quais já não estão entre nós, mas deixaram como legado a defesa incondicional da inclusão. Esse é um compromisso que honramos e que precisamos levar adiante: fortalecer a LBI e garantir sua plena implementação. O caminho é daqui para frente”, disse.
Feminella também ressaltou que o Brasil tem um compromisso constitucional com a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e que o enfrentamento às desigualdades passa, necessariamente, pela implementação das políticas públicas já previstas em lei. “Para isso, é essencial garantir o orçamento adequado e combater o capacitismo estrutural. Temos urgência em colocar em prática as políticas públicas previstas em lei e em criar um fundo nacional voltado às pessoas com deficiência. Precisamos refletir: qual o custo de atualizar, sem inovação, as leis já existentes? Na verdade, o Brasil precisa avançar no cumprimento da legislação atual”, reforçou.
Na ocasião, a secretária nacional chamou a atenção para a baixa presença de pessoas com deficiência nos espaços de poder, destacando que as cadeiras que estavam vazias no plenário naquele momento simbolizam uma exclusão histórica e estrutural. “Quero dizer que nessa plenária tem várias cadeiras vazias, e de cada cadeira vazia, a gente consiga compreender a quantidade de pessoas que não têm a oportunidade que nós temos de estar aqui, que não conseguem chegar aqui ao centro do poder legislativo federal”, apontou Feminella.
Sociedade civil
Além da secretária nacional, representantes da sociedade civil enfatizaram a necessidade de tornar a legislação atual mais acessível, inclusive por meio da utilização de linguagem simples, do uso de Libras e Braille, garantindo que todas as pessoas com deficiência possam conhecer e reivindicar seus direitos.
A ativista Izabel Maior destacou que é por meio da conscientização e do fortalecimento da legislação existente que se consolidam os direitos. “As leis atuais contam a história das pessoas com deficiência. A lei do cão guia, da acessibilidade e a LBI, contam momentos importantes da nossa trajetória. Por isso, precisamos fazer com que essas legislações evoluam. Uma proposta importante seria transformar a própria LBI em linguagem simples. A criação de um Código Brasileiro de Inclusão abre brecha à possibilidade de tentarem derrubar tudo o que já conquistamos”, alertou.
Em sua fala, Gerson Hilber, representante da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Distrito Federal (OAB/DF), também frisou a importância de cumprir a legislação em vigor, em vez de propor novas normas que não dialogam com a realidade das pessoas com deficiência. “Precisamos de medidas práticas e reais para garantir a inclusão das pessoas com deficiência no dia a dia. Como uma pessoa surda faz compras no mercado? Como uma pessoa cadeirante experimenta roupas em uma loja?”, questionou.
A advogada Maria Aparecida Gugel, representante da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos (AMPID), defendeu o arquivamento do Projeto de Lei 1.584/2024 (CBI). “Precisamos tomar a LBI, identificar suas falhas, lacunas e avaliar as demais legislações. A partir daí, sim, elaborar novas leis”.
Representante da Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Ana Cláudia Figueiredo, destacou que muitos grupos são contrários ao CBI. “Já temos 2.900 assinaturas e 150 adesões de pessoas jurídicas, todas contra o PL. Defendemos a LBI e outras leis históricas. Elas fazem parte da história do movimento”, afirmou.
Figueiredo também avaliou que as conquistas até agora alcançadas podem ser colocadas em cheque, caso a proposta em tramitação avance. “Defendemos a LBI dos retrocessos que virão com a aprovação do projeto. É desnecessário e inoportuno. Não é o que o movimento precisa, não é o que o movimento quer”, enfatizou.
Sobre a proposta
A audiência foi mediada pelo deputado federal Duarte Jr. (PSB-MA), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência. O colegiado é o autor do texto do CBI. Na ocasião, o parlamentar anunciou que a proposta original seria reformulada a partir da escuta com representantes da sociedade, mantendo o objetivo de reunir num só arcabouço as mais de 200 leis que tratam do tema inclusão.
Durante a audiência, o deputado Márcio Jerry ressaltou a importância do debate. “A audiência é fundamental porque permite verificar se a proposta apresentada é adequada ou não. A comissão não é dona da verdade. Precisamos construir cada vez mais convergências e ideias comuns para avançarmos na legislação”, ponderou o parlamentar.
Texto: T.A./M.C.M.
Edição: L.M.