Quatro mulheres estão sentadas em uma mesa de conferência, cada uma com microfone e plaquinha de identificação. A primeira, Anna Paula Feminella, fala ao microfone. O ambiente é formal, com projeção de slides ao fundo.
Em seminário sobre concursos públicos organizado pelo MGI, secretária Anna Paula Feminella destacou a importância das ações afirmativas e da superação do capacitismo estrutural | Foto: André Corrêa/MGI

O aperfeiçoamento da gestão dos concursos públicos para garantir inclusão profissional de pessoas com deficiência e compor uma estrutura que reflita a diversidade da população brasileira foi tema debatido nessa terça-feira (3), durante a mesa-redonda “Ações afirmativas em concursos públicos para pessoas com deficiência e indígenas”. O debate integrou o Seminário Internacional de Concursos Públicos, promovido pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), em Brasília (DF).

A secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (SNDPD/MDHC), Anna Paula Feminella compartilhou reflexões sobre o capacitismo estrutural na sociedade e defendeu uma mudança de paradigma para que a deficiência seja compreendida sob a perspectiva dos direitos humanos. “Ainda está enraizada, na nossa cultura, a ideia de que deficiência é sinônimo de doença ou uma condição inferior. Existe um padrão corporal considerado normativo — magro, branco, masculino, sem deficiência — e tudo que foge disso é alvo de discriminação. Para sermos vitrine, ainda precisamos estar mais presentes na pauta da deficiência”, disse.

A atividade integrou a programação do evento “Pessoas e Paradigmas: Novos Paradigmas da Seleção no Setor Público”, que reuniu representantes de órgãos públicos e especialistas para debater os desafios e as perspectivas do serviço público no Brasil a partir da experiência do Concurso Público Nacional Unificado (CPNU) – o maior já realizado no país.

Segundo a secretária, o capacitismo enfrentado pelas pessoas com deficiência ainda é um dos principais obstáculos à equidade no serviço público. “Precisamos fazer um letramento anticapacitista nas organizações. Ainda hoje, temos servidores que se referem às pessoas com deficiência como ‘portadores de necessidades especiais’, um termo já ultrapassado. É fundamental compreender que deficiência não é um problema localizado no corpo do indivíduo, mas uma relação entre esse corpo e as barreiras sociais, arquitetônicas, comunicacionais, tecnológicas e normativas”, destacou.

Mercado de trabalho

Feminella ainda apontou a necessidade de regulamentar e implementar, no âmbito dos concursos públicos, a avaliação biopsicossocial prevista na Lei Brasileira de Inclusão e na Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que possui status constitucional no Brasil. “Essa avaliação não deve focar apenas nas limitações do indivíduo, mas considerar também as barreiras impostas pelo ambiente social”, explicou.
Durante sua fala, a gestora, destacou a urgência de transformar a cultura organizacional do serviço público, com investimentos em capacitação contínua e enfoque na perspectiva dos direitos humanos, conforme estabelece a Constituição Federal. Segundo ela, a cultura institucional ainda reproduz práticas que desumanizam e infantilizam pessoas com deficiência. “Quando estava grávida, uma colega de trabalho foi perguntada se eu teria sido estuprada. Ainda é muito comum a ideia de que pessoas com deficiência são incapazes de amar, de decidir sobre suas vidas, de se desenvolver”, afirmou.

Apesar dos avanços legislativos, como a própria Lei de Cotas, que determina entre 1% e 5% de pessoas com deficiência em empresas com mais de 200 funcionários, Feminella ressaltou que o próprio Estado ainda não consegue cumprir o mínimo previsto. “Hoje, apenas 1% dos servidores públicos federais ativos se identificam como pessoas com deficiência, quando deveríamos estar próximos de 10% para refletir minimamente a diversidade da população”, pontuou.

Para a secretária, é urgente ampliar a presença das pessoas com deficiência no serviço público, inclusive nos cargos de liderança. “Temos pessoas com deficiência altamente qualificadas — com mestrado, doutorado, experiência profissional — prontas para contribuir com o Estado. A deficiência não deve ser vista como um problema, mas como uma oportunidade para promovermos aprendizado organizacional e inovação institucional.”

Além da representante do MDHC, a mesa contou com a participação da coordenadora-geral de Gestão de Pessoas da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Polliana Liebich, da representante da República.org, Simone Ramos, e teve moderação da assessora de Participação Social e Diversidade do MGI, Daniela Gorayeb.

Texto: E.G.
Edição: F.T.