Mulher sorridente em cadeira de rodas, com um banner ao fundo promovendo o "Novo Viver Sem Limite", um plano para os direitos das pessoas com deficiência em Goiás.
Mês de março tornou-se referência no combate às diversas violências cometidas contra as mulheres, especialmente aquelas que enfrentam múltiplas opressões  Foto: Thiago Araújo/SNDPD/MDHC

“Eu  lembro de uma situação que chegaram a ligar para minha colega de trabalho para perguntar se eu trabalhava direitinho. É quando une o machismo com o capacitismo”. É o que conta Anna Paula Feminella, secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNDPD), do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Sendo uma mulher com deficiência, ela sentiu na pele diversos tipos de violência psicológica, principalmente no ambiente de trabalho.

Março é considerado mês de luta pelos direitos femininos, já que também é quando se celebra o Dia Internacional das Mulheres (8/3) desde a oficialização pela ONU, em 1975. A data nasceu de uma marcha de trabalhadoras em Nova Iorque que, em 1908, reivindicavam melhores condições de trabalho, incluindo a redução das jornadas exaustivas.

Apesar dessa luta que perdura até hoje, Anna Paula Feminella enfatiza que, no ambiente de trabalho, muitas mulheres com deficiência enfrentam desconfiança quanto à sua capacidade profissional, sendo constantemente questionadas sobre sua eficiência na execução das funções que desempenham. “Quando, às vezes, a questão da produtividade é impactada pela falta de acessibilidade e outras condições que são barreiras que prejudicam o desenvolvimento profissional”, destaca a Secretária da SNDPD.

Múltiplas opressões

Roberta Gregoli, doutora pela Universidade de Oxford e especialista em violência de gênero, explica que as opressões se somam para produzir a discriminação. Assim, as diversas formas de violência psicológica se intensificam, especialmente para as mulheres que enfrentam múltiplas opressões.

“Se utilizarmos o etarismo como exemplo, mulheres idosas podem sofrer formas mais intensas de gaslighting, em contextos em que sua idade é usada como pretexto para desacreditar suas experiências e memórias. Por outro lado, mulheres jovens podem ser mais interrompidas (manterrupting), pois além do seu gênero, são desqualificadas também por sua idade”, detalha.

Para Gregoli, compreender essas sobreposições de opressões pode ampliar a consciência coletiva sobre as complexidades da discriminação e capacitar as mulheres para resistir com mais propriedade.

Mês das Mulheres

Para Roberta Viegas, consultora de Direitos Humanos e Cidadania do Senado Federal, as campanhas – a exemplo da que acontece em março – são ferramentas importantes para a construção de uma sociedade mais igualitária e livre de violências. De acordo com ela, as mulheres que somam outras opressões à violência de gênero que sofrem podem encontrar um importante canal de proteção por meio das campanhas.

“Elas podem, por exemplo, dar voz às vítimas: ao compartilhar suas experiências, as mulheres quebram o silêncio e expõem a gravidade do que sofreram, muitas vezes inspirando outras mulheres a buscarem ajuda”, explica. Ela ainda afirma que as campanhas também podem informar sobre os diversos tipos de violência – como física, psicológica, sexual e patrimonial – e suas consequências, educando a vítima e a sociedade em geral.

A secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres do Ministério das Mulheres (MMULHERES), Denise Motta Dau, conta que a pasta reforça o compromisso com a prevenção e o enfrentamento à violência contra as mulheres com uma programação intensa de ações e atividades ao longo do mês. “Além da mobilização pelo Feminicídio Zero, vamos inaugurar novos serviços de atendimento especializado no enfrentamento à violência contra as mulheres em todo o país”, diz.

Denise explica que o objetivo da pasta é que “todas as mulheres, em sua diversidade – negras, indígenas, jovens, idosas, com deficiência, LGBTQIA+, do campo e da cidade – tenham uma vida digna, com autonomia econômica e sem violência”.

Segundo Roberta Viegas, as campanhas também podem contribuir para a desconstrução de estereótipos e preconceitos, por serem importante fonte de promoção de debate, envolvendo setores diversos da sociedade. “Ao promover a conscientização e a mudança de cultura, as campanhas podem incidir positivamente na realidade de mulheres, sobretudo para aquelas que somam outras opressões”, complementa.

Nomear é importante

Os termos em inglês “gaslighting”, “mansplaining”, “manterrupting”, “bropriating” e “manspreading” foram criados para exemplificar algumas formas de violências psicológicas sofridas por mulheres e ajudar as pessoas a identificarem comportamentos abusivos que partem, principalmente, dos homens.

Como estrangeirismos, os nomes podem distanciar algumas pessoas da discussão, então Gregoli conta que, dependendo do contexto, pode-se dar preferência aos termos em português (manipulação, interrupções constantes, apropriação de ideias etc). “E temos algumas ótimas opções muito bem-humoradas, como ‘macho palestrinha’ para mansplaining, por exemplo”, diz.

A especialista em gênero afirma que nomear os atos de violência é essencial na luta contra a discriminação e a opressão. “Como já aprendemos com a luta antirracista, negar a existência da opressão – como o mito da democracia racial – é uma estratégia muito poderosa de desmobilização e silenciamento”, explica.

Ela conta que dar nome a essas violências também é importante para qualificá-las como fenômenos – atos sistemáticos e repetidos –, e não como ações e atitudes isoladas. Gregoli analisa, ainda, que usar esses termos ajuda a conscientizar tanto homens quanto mulheres sobre formas sutis de violência psicológica e microagressões normatizadas.

Fique sabendo

Gaslighting: Significa manipular a vítima para que ela duvide da sua sanidade mental. Termo foi criado a partir do filme “Gaslight” (1944), no qual um homem tenta se apropriar da fortuna da esposa.

Mansplaining: O termo nasce da junção das palavras “man” (homem) e “explaining” (explicar). Acontece quando um homem explica algo para uma mulher sem que ela tenha pedido.

Manterrupting: Como exemplificado por Gregoli, é quando um homem interrompe as mulheres, e origina-se da junção das palavras “man” (homem) e “interrupting” (interrupção).

Bropriating: Trata-se da união de “bro”, abreviatura da palavra em inglês “brother” (irmão) e “appropriating” (apropriação). É quando um homem se apropria da ideia de uma mulher e leva o crédito no lugar dela.

Texto: R.M.

Edição: F.T.